La farfalla

Liz Confrizzi

Tuesday, September 20, 2005

No Wonder now!

(prezados visitantes escassos: recomendo ler primeiro o post anterior, pois o que segue é a continuação de uma história que terá continuação, provavelmente, após o meu retorno, abraços)
Tirintina Colida dançou, requebrou, gingou, e seu corpo era nada nos braços mudos ou nos risos cegos e entusiasmados de Wonder. Aquela noite teria sido medíocre se pudesse ser escrita em palavras piegas e batidas.
Mas passado o auge do entusiasmo, Wonder começou a chorar. Sua música tornou-se um grito lancinante e, de início, nem o Zé Maxixe - cara dos mais entendidos em matéria de dor, amor, transas, músicas, filhos, pais, guerras e negócios - saberia explicar a proveniência de tal mugido de terneiro seco, cego e sem o leite das tetas da sua divina mãe vaca.
Wonder parou, secou as lágrimas todas, uma por uma, como se estivesse recuperando todo o brio que lhe escoara, e sentou no chão, próximo a uma parede de vidro.
Lá, começou novamente a cantar, fazendo comentários descompensados de bicho fraco e desiludido após a derrota no duelo de gigantes, a cada verso da canção:

"I see the light of your smile - [but it doesn't bright on you]
Calling me all the while - [you're the great pretender]
You
are saying babyIt's time to go...
- [some other guy will touch your smile]
First the feeling's alright - [ok, I'm just an asshole]
Then it's gone from sight - [... hummm, ouyeahhhh aaaaahúuíiiii
snif snif...]
So I'm taking out this time to say - [listen, you'll
see me, despite I'll never see you...]
Oh if you really love me won't
you tell me.."
- ... [you'll never tell, there's no love, that's he
true...]

Wonder - completely non-sense !

Logo, logo, um desavisado da redondeza, mas muito conhecedor da natureza humana, desvendou o motivo do seu pesar: Tirintina estava às voltas 'con un hombre latino' qualquer. Não era um delírio, pero la chica encantóse por un hijo de Neruda, de quién no se sabe decir exactamente la historia. Era um poeta que plagiava alguns versos de Neruda, misturando-os com uma coisa ou outra do Ricky Martin, vez em quando pescava uma frase de Gardel, outra hora metia um "salve Pinochet" completamente impróprio, mas mantendo o alto nível de incoerência e dissonância. Mais um idiota disfarçado de intelectual dos que havia por aí, ou vice-versa. Colida era uma mulher farfalla, mas farfalla inculta e desapercebida das coisas do mundo. Voando foi e Wonder perdeu a vez para "El brazo" - o tal poetíssimo homem sem bigodes.
Seus versos parafraseados começavam na bunda e terminavam nos cílios, ou vice-versa, ninguém sabia mesmo se havia neles fim ou começo.

Mi hermosa claritirintina
Adórote como si un hechizo hubiera me tonteado
Y sigo con tu cuerpo, así tan emborrachado
Soy un bruto, y bebo la sangre tuya.

A sumidade - "El brazo" - iniciava em linhas como essa e ia descambando para "un, dós, trés, un pasito p'alante, Maria..." aí, nesse pé de briga, era chamar o Ney Matogrosso para engrossar o caldo e tentar apartar os ânimos de Tirintina, que era tola, mas não 100% tonta, e chiava nessa parte do poema.

Uma hora dessas tem mais!

Sunday, September 18, 2005

Wonder

Quero nas minhas malas um pouco de tudo, mas que não pese nada.
...
Tirintina Colida não sabia que todos os olhos voltavam-se para ela naquela sala, menos dois: e o par de olhos que nem a notava era o de Stevie Wonder, pois a enxergava pelos ouvidos apenas e contava cada pausa e cada sopro da disritmia da sua voz.
Costumava perceber assim aquilo que seus olhos proibiam. Ele certa vez conversara com Ray Charles a respeito disso. Há quem duvide disso, já que Quincy nos contou que os dois não podiam se ver!
Entre todas as estapafúrdias inventadas e desmentidas, o fato é que Wonder ficava wondering todas as notas e cores dos cabelos, olhos, dentes, e corpo desenhados por deus em Tirintina Colida.
Mulher parecida com gata, assim esguia e de corpo maleável era Colida. Dos felinos só não tinha os olhos. Por alguma dádiva genética ou divina eram amêndoas secas suas pupilas molhadas.
E naquela noite Tirintina Colida deixara quase toda a gente ali combalida. Stevie fora o único a agir sem pestanejar: levou as mãos ao rosto de Colida, tapou-lhe os lábios, pois cansara de ouvir tanta besteira, tanta abóbora podre da feira, e sorriu. Afastou-se um pouco e começou a dançar, tascando-lhe suas composições inspiradíssimas, gingando e soltando a voz, umhummm huuú-wouuú

.....
"Hey love
May I have a word with you?
I’d like to
tell you, yeah
Just what I’ve been going through
My nights are so long
As I watch each hour go by
Hoping and praying
That someday I will be
your guy..."
Assim foi, emendando uma música na outra, sem trocar o tom, mandando todo o seu gabarito musical ali, mantendo os olhos dela quase tão wondering quantos os seus. Foi justamente com "I'm wondering" que Stevie a fez se embalar e entrar na sua ginga.
"...But, baby I'm wonderingLittle girl,
I'm wondering
How can I make you love me
A little more than you loved him?"

Friday, September 16, 2005

MEIO

Leiam Dostoievski, pessoas desse mundo! Kundera, Neruda, Márquez, Sábato, não vejam novelas! Amanhã tem mais.
1° Preciso dar os devidos créditos ao trabalho de pichação (é assim mesmo que se escreve, meus queridos) que circundam meu lar e vizinhanças, lá vai:
"Cús [sic] voadores, vaginas rápidas, a castração não existe. A há há há"
É deveras a sinese do cru e acentuado prazer do "cú" com a doutrinária invaginação sexual, é misturar freud e o caicó (=mulato-velho). É merecedor de menções aqui e por todas as esquinas, muros ou muretas nas quais não veiculam, nem circulam os pichadores, e suas mãos inspiradas pelas dores e sabores das bucetas. Mas, agora, falando sério: dá pra ser feliz!
...
meio homem, meio mulher
ele era todo pela metade
nunca seria um só
mas isso lhe permitia buscar
seu meio mulher, meio homem
tanto no corpo, quanto na alma ...
...
ela se vestiu, achando que era cool
mas no seu íntimo sabia que era um cu
se fosse ao bar da esquina ou à academia
o papo dela só sobre um assunto discorria
...
mas e agora, se ela for um cu acentuado assim contundente feito os "cús" voadores, tem seu mérito e sua graça!
Ok, pessoal, é wilso aí e vamo nelso! (plagiei alguém)

Wednesday, September 14, 2005

Tenho que falar

Aproveitando que hoje é o dia das descartadas, do descaramento, e da enxotada do amigo Roberto Jefferson, tenho que repetir a frase de Aldo Tambori (logo mais conto a ocasião desta sua fala): achei que estava, nos últimos dias, sozinho no meio de cegos, rodei todo o mundo e só então concluí: estava sozinho no meio de burros, surdos, ociosos, covardes, ignorantes, mudos ... e os apenas cegos? esses eu já tinha na mais alta consideração. Tambori era homem simples que tencionava subir os degraus da vida, mas a ascensão a que almejava não era estar no topo social ou nas colunas e festas da high society. Ele saiu de Itapirubá para desbravar o que dizia ser seu "de direito": as novas cores, as preciosas melodias, as histórias tristes, as comédias da vida, os poetas, as pessoas. Tinha sonhos românticos ao galopar na primeira estrada dessa sua empresa rumo ao sal, ao cio, ao que amava. Acreditava haver um lugar, um estado de espírito, uma rede de gente como ele para partilhar desses singelos prazeres nos quais acreditava poder embriagar-se.
Encontrou foi muita miséria humana, de costumes, de cultura, de salário, e de arrogância.
Eis o motivo da sua filosofia de angústia desolada.

Terra dos tolos

Livre de ti, homem-nuvem! posso escorregar de volta à terrra dos tolos, dos cancioneiros, das belas flautas infantis. Corro e sinto agora o chão marcando o ritmo, batendo na sola dos meus pés.
Como novamente grãos e raízes, plantas e ervas fortes, frutas e amêndoas, amoras, sementes.
Antigamente, quando acordava neste solo, sonhava poder voar, sentir a leveza e os ares livres do céu inanimado - sky, blue sky.
Hoje, no meu retorno ao vasto e firme solo, mal contenho as pernas trêmulas e desacostumadas, que anseiam pela dança cálida e contínua. E o céu não passa de uma casa de mortos, cinza triste e desolado, de um azul ilusório e irreal.

Tuesday, September 13, 2005

Quando eles nasceram

Quando Neruda nasceu deve ter sido um dia chuvoso, meio cinzento, meio água como era ele.
Já Quintana deve ter rebentado escapando liso do parto normal, mas num dia cheirando a flor meio campestre, seu pai fumando um charuto.
E se o dia em que se lançou ao mundo dos homens Clarice Lispector tiver sido de sol, é de se estranhar, mas sua mãe certamente estava pálida naquele minuto do parto, e suas faces rosadas só se restabeleceram dias depois.
E imaginem Itabira em festa quando correndo atônita a mãe de Drummond foi às pressas dar à luz, era noite e ele com os olhos miúdos, nem os abriu muito, nasceu e foi posto a dormir.

Novamente eu

Longe das cores e das coisas, ela brincou com seu corpo nu na madrugada fria dentro daquele lago. Eram seus sonhos, seu gozo, seu medo, alma, as aflições e os desejos todos ali mergulhados nela e na água.
Quando se viu, as gotas escorrendo a tomaram como se fossem as mãos daquele que a queria e não a tocava.
Como fossem sinos mudos na noite, duas árvores pendiam e dançavam sobre ela, que, estendida sobre a terra úmida, deliciava-se simplesmente por ali estar, livre das coisas e das cores, longe dos olhos, dos homens e das palavras. Ela era ali toda sua, só e fria como a madrugada, meio inteira, meio vazia, mas completamente irmã do vento triste, assim tão nua.
o homem é uno quanto ao corpo mas nunca quanto à alma